Audição
A audição é o primeiro dos cinco sentidos desenvolvido pelo ser humano. Tem um papel determinante nos processos de perceção, da fala e da comunicação, facilitando assim a interação com as pessoas que estão à nossa volta.
A audição é um sentido inteligente que funciona como um recetor especializado que recebe e interpreta os estímulos externos.
A perturbação ou alteração de Audição pode estar presente desde o nascimento, ocorrer durante infância ou mais tarde em qualquer momento da vida. As causas da perda da audição são variadas, assim como os seus sintomas. A sua perda ou comprometimento, interfere de forma importante na comunicação e na qualidade de vida das pessoas.
O Departamento de Audição da SPTF é o responsável pela dinamização da evolução do conhecimento do impacto da surdez e das alterações do processamento auditivo na comunicação humana. É constituído por um grupo de profissionais que pretende promover o aumento da qualidade e quantidade de produção científica por parte dos pares e outros profissionais de áreas afins à terapia da fala, com o intuito de fomentar a reflexão, partilha e aprendizagem para um apoio mais eficaz a crianças, jovens e adultos com perturbações da Comunicação decorrentes de surdez ou perturbações do processamento auditivo, contribuindo para a divulgação e adoção de práticas baseadas na evidência.

A Audição e o Desenvolvimento da Linguagem
A surdez é o défice sensorial mais frequente na população mundial afetando mais de 430 milhões de pessoas segundo dados da Organização Mundial de Saúde em março de 2021. Estima-se que 1 a 3 em cada 1000 bebés recém-nascidos saudáveis nasce com surdez bilateral significativa. Em recém-nascidos de risco os números são muito mais expressivos: 20 a 40 em cada 1000 bebés podem apresentar alterações auditivas.
A surdez caracteriza-se por limitação da perceção de sons. Dificuldades na perceção dos sons da fala podem ter consequências negativas a nível do desenvolvimento típico da comunicação, da linguagem, da sociabilização e da aprendizagem da leitura e escrita. A perceção de fala implica a perceção de sons de diferentes frequência e intensidades, com grande variabilidade de poder acústico.
A frequência do som indica se é mais agudo ou grave. Os sons da fala têm frequências que estão concentradas entre os 500 e os 4000 Hertz (Hz).
A intensidade dos sons, ou seja, se os sons são altos ou baixos, é medida em decibéis (dB). Considera-se que há perda auditiva se há dificuldade em detetar sons nas várias frequências auditivas com intensidade maior que 20 décibeis. A surdez pode ser caraterizada relativamente a diferentes parâmetros. Na tabela seguinte, apresenta-se a classificação dos graus de perda auditiva.
Grau de perda auditiva | Valores em décibeis | Impacto social |
---|---|---|
Ligeiro | 21-40 dB | Sons do ambiente são percecionados. Fala é percecionada se a intensidade de voz for normal e o interlocutor está próximo. |
Moderado | 41-70 dB | Alguns sons do ambiente são percecionados. Fala é percecionada se a intensidade de voz for elevada e é necessário acesso visual à face do interlocutor para facilitar a compreensão da mensagem. |
Severo | 71-90 dB | São percecionados sons intensos. Sons de fala podem ser percecionados se o interlocutor falar alto e próximo do ouvido. |
Muito Severo | 91-119 dB | Só são percecionados sons muito intensos. Sons de fala não são percecionados. |
Perda Total | 120 dB | Não há perceção de sons. |
Tabela 1- Graus de perda auditiva segundo classificação do International Bureau for Audiophonology
No que se refere ao tipo, a surdez pode ser de condução, neurossensorial ou ter componentes de ambos os tipos e ser uma surdez mista. As alterações neurossensoriais indicam alterações nas células da cóclea que transformam o som em impulso elétrico e o conduzem ao cérebro não funcionam corretamente. A surdez neurossensorial é, até ao momento, irreversível. Há ajudas técnicas específicas para estas limitações auditivas que permitem o acesso auditivo.

Figura 1. Anatomia do ouvido

As causas de perda auditiva em bebés podem ser variadas:
- infeções durante a gravidez, como toxoplasmose ou citomegalovírus;
- diabetes gestacional, uso de álcool ou drogas durante a gravidez;
- prematuridade;
- complicações no parto;
- uso de antibióticos ototóxicos durante a gravidez ou primeiros meses de vida do bebé;
- causas genéticas (mais de 50% dos casos).
Sinais de alerta na infância
Há sinais a que é importante estar atento porque é essencial detetar alterações auditivas precocemente. As Recomendações para o Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU), indicam que TODAS as crianças nascidas em Portugal devem ter a sua audição rastreada nos primeiros 30 dias de vida.
Nos primeiros meses de vida o bebé deve:
- reagir a sons intensos;
- acordar quando ouve sons fortes;
- responder à voz dos outros (sorrindo, por exemplo);
- acalmar-se com vozes familiares;
- dirigir-se a brinquedos que fazem som;
- virar a cabeça em direção a sons;
- balbuciar.
Entre o ano e os dois anos, o bebé deve:
- repetir sons simples;
- entender pedidos simples;
- fazer sons para chamar a atenção do adulto;
- responder ao nome;
- usar palavras simples;
- ouvir histórias e músicas com interesse;
- apontar para objetos e nomeá-los.
Em crianças maiores alguns sinais de perda auditiva podem ser:
- pedir às pessoas que repitam a informação várias vezes;
- ter alterações de fala;
- não responder quando chamam o seu nome;
- pôr a televisão, rádio ou tablet muito alto;
- responder fora do tema a questões que lhe foram feitas;
- queixar-se de dores ou sensações estranhas nos ouvidos
- não perceber o que é dito ao telefone;
- estar muito atento à face das pessoas quando falam e ter mais dificuldade em perceber o que é dito quando está de costas ou em locais ruidosos;
- falar muitas vezes demasiado alto.

A audição é essencial para o desenvolvimento da linguagem oral e da fala. Os bebés adquirem linguagem/fala por imersão linguística, ou seja, quando participam em atividades contextualizadas em que é usada linguagem com parceiros mais competentes. É desta forma que vão associando as palavras aos conceitos e que se vão apercebendo das características acústicas dos sons do ambiente e da fala.
As implicações ao nível da aquisição de linguagem e fala dependerão do tipo de e grau de limitação auditiva que a criança apresenta, das características do ambiente e do uso de ajudas técnicas nos casos em que são recomendadas. Mesmo as crianças que apenas têm ou tiveram otites muito frequentes (2 ou 3 num ano) podem apresentar dificuldades em discriminar sons de fala muito parecidos.
É essencial um acompanhamento médico especializado assim como intervenção precoce (entre os três e os seis meses de idade segundo o RANU) especialmente nos casos de perda auditiva bilateral significativa.
Uma vez que o conhecimento dos sons da fala é a base da aprendizagem da leitura e escrita da maior parte dos métodos usados, muitas vezes as crianças com limitações auditivas precisam de suporte educativo e terapêutico adicional.
Referências bibliográficas
- Organização Mundial de Saúde. Deafness and hearing loss (2 de março de 2021). https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/deafness-and-hearing-loss – consultado em março de 2021.
- Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil – GRISI. Recomendações para o Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU). Acta Pediatr Port 2007:38(5):209-14.
- Direção-Geral da Saúde. Norma n.º 018/2015 de 11/12/2015 atualizada a 14/07/2017. https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma-n-0182015-de-1122015-pdf.aspx
- International Bureau for Audiophonology. Audiometric Classification of Hearing Impairments. http://www.biap.org/es/recommandations/recommendations/tc-02-classification/213-rec-02-1-en-audiometric-classification-of-hearing-impairments/file – consultado em janeiro de 2021.
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A EQUIPA: DEPARTAMENTO DA AUDIÇÃO
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